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24/07/2020 - 18h16m

RACISMO

Artigo de Opinião: Vai, mata! Acerta a cabeça dele!

Por Gilberto Ferreira

Assistente Social, Gilberto Ferreira

Após presenciar uma situação em um dos muitos grupos de WhatsApp, única forma de aglomeração permitida na atualidade, resolvi escrever essas poucas linhas sobre o evento.

No vídeo, onde muitas pessoas gritavam de forma eloquente quase como um coral, ouvia-se as expressões: “mata!, Mata!, atira”, acerta a cabeça dele!, Vagabundo!, atira por trás!, derruba no tiro!”. Na imagem, via-se um jovem aparentemente descontrolado e mantendo uma senhora refém enquanto tenta subtrair a bolsa da mesma e esconder dos policiais que o cercavam.

Páaahhhhhhhhhh!  Acertou o jovem! Matou! Morreu! Aplausos e gritos ressoaram como em uma final de campeonato quando seu time é campeão! Eram os civis vibrando a morte de mais um “bandido, vagabundo, que amanheceu sem ter nada pra fazer, foi roubar e teve seu CPF cancelado com sucesso”, como relatava um dos comentários descrito a baixo do vídeo no grupo de WhatsApp, que rapidamente ganhou figurinhas que sinalizavam concordar com a fala do integrante.

Longe de julgar as atitudes envolvidas no vídeo quanto das que ressoaram no grupo, peguei a refletir nos números assustadores de pessoas que são mortas diariamente e que passam a fazer parte de uma fria estatística que servem para quantificar “o poder e a exuberância do Estado na limpeza da sociedade”.

O evento fez emergir em mim uma reflexão que perpassou algumas situações, produtos, setores, faces e fases da civilização, como o racismo, a economia, a política, a objetividade e a subjetividade, todas a meu ver, sendo resultado de uma construção histórica, bem como, suas importâncias e valores. Reflexão que hoje classifico como importante e necessária para o debate da atual conjuntura e para nos embasar para o desenvolvimento de nossas atividades profissionais, relações familiares, pessoais, com a sociedade e ainda como subsídio das nossas decisões e escolhas 

Neste momento, usando como fundamentação o próprio conhecimento e subsidiado por argumentos tecidos por alguns autores e estudiosos do âmbito das ciências sociais, com maior recorte para a filosofia, sociologia, afunilando para autores da área da educação e do serviço social, me dei o prazer de escrever o presente texto onde me atrevo a problematizar alguns fatos e situações que tem acontecido desde um passado considerável, recentemente e de forma recorrente que evidenciam uma daqueles fatores listados anteriormente: o racismo.

Partindo dessa premissa, listo aqui o alto número de mortes de negros realizadas pelo Estado e crime organizado, a questão dos salários mais baixos que são pagos aos negros e principalmente, as mulheres negras e pobres, o fato de que raça quem tem é o negro, o branco não, o perfil dos representantes no congresso nacional e na política partidária de forma geral, como tantos outros que abarrotaria toda uma página. Este não é o intuito da presente escrita.

Seguindo sobre a análise da selvageria racial, refletir sobre o perfi/desenho/foto da  corte suprema(STF), de onde parte as decisões sobre o passado, presente e futuro, emergem com impacto direto e indiretamente na vida de toda sociedade. Considerando também a “cultura” das novelas e filmes sem negros, ou se tem, desempenham papeis que lembram e remontam ao racismo.

Refletir ainda sobre o papel da educação nessa conjuntura. Entendendo que a educação pode ser utilizada como ferramenta que perpetua ou age como mecanismo que repudia e enfrenta o racismo, por meio do acesso ou não a um ensino de qualidade e a perpetuação da desigualdade. 

Saltou-me aos olhos a Política tributária brasileira, um dos mais ferrenhos e selvagens exemplo do racismo, onde o preto ganha pouco comparado ao branco e a mulher negra ganha menos ainda. O quadro se agrava ainda mais quando se analisa a forma de como está estruturada essa política. Os tributos incidem com mais força sobre salários e consumo – logo a negra e assalariada é a maior vítima e os ricos que mais reclamam dos impostos são os que menos pagam impostos e ainda tem amortização, perdão das grandes dívidas. Um lembrete: a grande maioria dos considerados ricos, são homens e brancos.

No âmbito da política partidária no Brasil, se fizéssemos uma fotografia do legislativo, executivo, judiciário ou do Supremo Tribunal Federal, teríamos uma imagem onde claramente víamos um povo hétero, branco e do sexo masculino, mesmo que a grande maioria da população seja negra e do sexo feminino.

Outros pontos interessante para a atual leitura e que evidenciam de forma quase que brutal a existência do racismo, é quando voltamos nossa análise para aqueles ditos como estando a margem da sociedade, como a população carcerária brasileira: jovem, pobre, negro, da periferia, sem acesso à escola, lazer, esporte, cultura e saneamento básico de qualidade. Esse mesmo perfil descreveria nossa resposta se nos questionarmos sobre quem é o público que moram nas favelas?

Outro fator importante nessa análise da estrutura e conjuntura, na qual tomo a liberdade para classificar o racismo estabelecido nesse meandre, como algo estrutural, ou seja, está na base de tudo e de todo o processo civilizatório, é sobre o perfil do público que está nas faculdades públicas nos cursos ditos como da elite (medicina, direito, engenharias...).

O racismo como mencionado anteriormente está na origem e colabora para perpetuação das condições e situações de vida cotidiana, muitas vezes sem ser questionada, muitas das reproduções quase que mecânicas, que constroem as relações atuais, mas, que segrega, reprime, perpetua o preconceito e mata.

Para uma reflexão rápida sobre o assunto, uso uma das searas mais comuns aos nossos olhos: a religião. Quem são convidados para abrir as cessões solenes nas assembleias legislativas, secretarias de estado, ocasiões festivas, aniversários de entidades, órgãos ou cidades? Quem são os convidados para abrirem o ano letivo nas escolas públicas e particulares? Quem são os convidados para fazerem uso da palavra nas cerimônias de formaturas? A resposta é óbvia a maioria da sociedade, mesmo nós habitando um país laico. Reforçando a indagação, é a senhora do candomblé? É o senhor lá do terreiro, ou o padre e o pastor?

A resposta é óbvia e reprovamos, repudiamos quem pensa ao contrário, mesmo que saibamos que a laicidade é um princípio crucial para a manutenção da democracia e os direitos individuais e coletivos.   No entanto, o candomblé e o terreiro são crenças de matriz africanas, como tantas outras manifestações de fé e crença que são refutadas e criminalizadas pelo preconceito advindo de amarrações históricas com o objetivo de marginalizá-las.

Para finalizar nossa breve e superficial leitura sobre a temática inesgotável do racismo, lembremos nós que as pessoas que foram escravizadas por longos anos no Brasil de forma cruel, tais, tão graves e selvagens que a própria palavra escravidão não dá conta da ilustração da dor e do sofrimento, após a abolição foram obrigadas a saírem sem nenhuma condição favorável a manutenção da vida ou segurança, sua ou de sua família: sem roupas, sem bens, sem estudos, sem emprego, sem moradia, seu comida, sem nome, sem saúde, doentes.

E de forma estrutural somos chamados por esses passados imputados a nós, como feios, fedorentos, sujos, incompetentes, preguiçosos, malandros, bandidos, merecedores da morte, entre outros adjetivos. Por um passado sem culpa, usaram a nossa cor da pele para dá nome as coisas ditas como indesejáveis, ruins, tristes, a um grupo social e que hoje reproduzimos de forma consciente ou inconsciente, como “segunda é dia de preto”, “a coisa tá preta”, “ele me denegriu”, “cabelo ruim”, “a coisa escureceu”, “só poderia ser preto”, “preto tem que sofrer”... entre outras atrocidades que são silenciosas e harmônicas para quem as lançam em direções a pessoas ou situações, mas, que ferem e remontam um passado de sofrimento, abusos, maus-tratos, suicídios que insistem em manchar o nosso presente.

O racismo perpetua a desigualdade, aniquila vida de milhares cotidianamente, e elimina possibilidades de melhores condições e qualidade de vida de parte da sociedade. Muitas vezes, sob os aplausos da própria comunidade negra, pobre, desempregada, desassistida e vítima de um sistema, onde se veem protegidas ou pertencentes a um grupo exímio e livre do “sujo ou do errado” por se identificar com um discurso preparado para desapropriar, subalternizar e perpetuar a desigualdade, a miséria, a negligencia, a violência e o racismo, ao passo que reverbera, ascende, matem e revitaliza o grande capital e seus propósitos de lucro e subalternização.  

Quanto ao jovem que perdeu a vida, não o conheço, não conheço sua história e vida. Mas, depois de emergir um pouco nas buscas e refletir de como foi e estão sendo construídas as relações, com bases líquidas sob propósitos claros e intecionais cabe a mim, no mínimo defender a vida. Principalmente daqueles que tem em sua construção histórica, a dificuldade, o sofrimento, a falta de oportunidade, o desprezo, a reprovação, o descuido e a negligencia como terreno de crescimento, sob um discurso de que basta querer que consegue.

Gilberto Ferreira

Funcionário público estadual, graduado em Serviço Social pelo Centro Universitário Luterano de Palmas, é Assistente Social do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Comunidade de Palmas-TO, é Residente do programa de Residência em Saúde da Família e Comunidade - Parceria do Ministério da Saúde/prefeitura de Palmas e CEUL/ULBRA e formado em Técnico em Enfermagem

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2 Comentário(s)

  • INACIA Curcino Ferreira | 25/07/2020 | 20:39 Parabéns meu amigo.
  • Meire da Silva Pereira Rodrigues | 25/07/2020 | 09:43 Excelente reflexão. Nos faz pensar onde vivemos e principalmente onde viveremos . Cada um de nós será responsável por uma mudança seja para o bem ou o mal. É mais do q nunca a educação, será o caminho mais acertado.
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