Facebook
20/09/2019 - 15h50m

MULHERES

Responsabilidade Social: 1º Censo Carcerário Feminino do TO busca conhecer para transformar a realidade das mulheres encarceradas

Elvio Marques e Jaqueline Moraes

41% são presas provisórias e aguardam decisão judicial. 59% não concluíram a educação básica (Ensino Fundamental ou Médio). 66% se consideram pardas e 16% negras ou pretas. 74% são mães, sendo 60% com idade de 18 a 30 anos. 66% das encarceradas têm parentes no sistema prisional e 32% destes são seus companheiros. 67% foram presas por tráfico de drogas. Esses são alguns dos dados do 1º Censo Carcerário Feminino do Tocantins – “Conhecer para Transformar”, realizado por meio de um projeto de extensão desenvolvido por professoras e acadêmicos do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo (Fasec), com apoio da Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju).

Ao trazer o perfil destas mulheres, o Censo chama atenção do judiciário,  das instituições, das empresas e sociedade para não apenas conhecer essa realidade, mas para união dos entes sociais na defesa e luta pelos direitos das encarceradas, e, assim, transformar a realidade dessas mulheres”,  justifica a professora da Fasec, Cristiane Mezzaroba, uma das idealizadoras do Censo.

A pesquisa, realizada em março de 2019, contou com a participação dos estudantes da Fasec que atuaram como recenseadores de forma presencial nas unidades. Foram entrevistadas 170 mulheres das 190 privadas de liberdade à época: 100 são presas condenadas e 70 provisórias, distribuídas nas 6 unidades prisionais do Estado.

Os dados mostram diversas situações da mulher encarcerada, confirmando a importância de políticas públicas, como investimento em educação, inclusão social e oportunidade, já que temos a maioria das mulheres no cárcere com baixa escolaridade, parda ou preta e em situação de vulnerabilidade social e econômica. Além disso, é preciso que os presídios sejam voltados para as mulheres, já que estes não foram construídos para elas, mas sim com arquitetura para o público masculino, desconsiderando, por exemplo, que a maioria das visitas recebidas pelas mulheres em cárcere é dos seus filhos e, como mostrou o censo, 49% têm filhos menores de 12 anos, então uma brinquedoteca ou mesmo um ambiente lúdico é necessário. Da mesma forma, estrutura adequada para o atendimento das gestantes e parturientes com espaços adequados para a amamentação para as encarceradas que não atendem aos requisitos legais para prisão domiciliar. Um outro aspecto a ser considerado é que a sociedade como um todo precisa estar envolvida no processo de ressocialização, oportunizando especialmente formação escolar e profissional para essas mulheres, para que, quando egressas do cárcere, tenham como promover sua independência financeira, rompendo a situação de vulnerabilidade econômica, um dos fatores que acaba por propiciar o ingresso no crime”, reforça a professora da Cristiane Mezzaroba.

Um dos dados que chamou atenção foi o crime que levou ao cárcere a maioria das mulheres no Tocantins: 67% por tráfico de drogas. Contudo, destaca a professora Cristiane Mezzaroba, “ao analisar de forma mais minuciosa essa situação, verifica-se que a maioria só foi considerada “traficante” em face das falhas existentes na própria lei brasileira em diferenciar usuárias de traficantes, já que essas mulheres não sobreviviam diretamente dessa atividade criminosa, mas em face do vício ou mesmo pela situação econômica, tinham o porte e a venda de pequenas porções como uma fonte de complementação de renda ou mesmo por serem cúmplices de seus companheiros”.

Na mesma linha de pensamento, a professora de Direito Penal da Fasec, Sibele Biazotto, também idealizadora do Censo, complementa que “assim como o Estado e a sociedade, o poder judiciário também precisa estar envolvido no trabalho de defesa dessas mulheres, já que muitas mulheres no Tocantins aguardam decisão judicial. E o objetivo de todo este trabalho do Censo é dar visibilidade para esse público feminino encarcerado no Tocantins, quem são e o que necessitam. Aí o papel da academia [faculdade ou universidade] e suas pesquisas. Portanto, a partir de agora, o Estado, o Judiciário e até mesmo a sociedade vão conhecer a realidade dessas mulheres e poderão contribuir para que não reingressem no sistema carcerário após a liberdade. Isso sim, é, de fato, conhecer para transformar”, conclui.

De acordo com as professoras, o Censo Carcerário não foi a primeira atividade da Fasec junto ao sistema carcerário feminino do Tocantins. A faculdade, especialmente via Núcleo de Prática Jurídica, atua desde 2015 junto às unidades de cárcere feminino em Palmas e, mais recentemente, na unidade de Lajeado, com foco na Responsabilidade Social de toda a sociedade junto ao sistema carcerário, tanto com assistência jurídica gratuita, quanto com atividade de Remição da Pena pela Leitura. Também há atividades de assistência material, como a doação de linhas de crochê para que as reeducandas possam desenvolver o artesanato, atividade que promove renda e remição da pena, e também na doação de kits de higiene pessoal e remédios, além de promover visitas orientadas para que seus estudantes do curso de Direito possam conhecer a realidade do sistema prisional, vez que enquanto futuros profissionais da área jurídica poderão contribuir para a transformação desta realidade.

Encontro sobre o Cárcere

Para apresentar os dados do censo carcerário e promover discussões sobre as mulheres encarceradas no Tocantins, foi promovido o “I Encontro sobre o cárcere feminino no Tocantins: conhecer para transformar” em 21 de março. O evento foi organizado pela Fasec, em parceria com a Seciju e demais instituições de fiscalização do cárcere no Tocantins, como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça.

Defensoria Pública

A Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) também atua na defesa e no acompanhamento das mulheres encarceradas, em todas as 49 comarcas do Tocantins.

A Defensora Pública do Estado do Tocantins, Napociane Pereira Póvoa, atuante nas demandas relacionadas ao cárcere feminino em Palmas, reforça que a DPE-TO zela pelo acompanhamento de todo o processo do assistido, o que vale também na assistência às mulheres.

A Defensora complementa ainda que “a Defensoria Pública tem dois papéis, como órgão fiscalizador da execução penal e também no acompanhamento processual individual. Na execução da pena, vigiamos pela não violação de direitos de uma forma geral. E no processo individual, fazemos o acompanhamento jurídico desde a audiência de custódia até a fase da execução da pena. Vale lembrar ainda que, no âmbito criminal, qualquer cidadão que necessite de atendimento da Defensoria, independentemente da renda, pode procurar o órgão para ter assistência jurídica de um Defensor Público”, explica.

Ao falar sobre a realidade das unidades prisionais femininas no Tocantins e no Brasil, a defensora reforça que essas unidades não foram construídas para o público feminino. “Quando você encarcera uma mulher, muitas vezes, você encarcera uma provedora do lar, uma mãe, gerando o abandono de uma criança. E a solução não é a construção de mais presídios, sem dúvida, é a prisão domiciliar e a saída antecipada, o que diminuiria até mesmo a superlotação”, complementa.

A Defensoria Pública do Tocantins disponibiliza serviço de plantão, fora do expediente normal, para atendimento de medidas em caráter de urgência. Os horários de atendimento podem ser verificados no link: http://plantao.defensoria.to.def.br/.

SECIJU

O secretário executivo da Seciju, Geraldo Divino Cabral, também confirma que todas as esferas sociais devem estar envolvidas no cumprimento da pena. “É preciso congregar a sociedade civil a compreender os papéis do Poder Executivo, do Judiciário e das entidades não governamentais no processo de cumprimento da pena, assim como da real recuperação da infratora. A responsabilidade é de toda a sociedade, que deve manter articulação com as políticas públicas, para que a pena seja cumprida de forma efetiva, evitando, assim, a reincidência”, disse.

No Tocantins, a pasta responsável pela execução da pena das mulheres encarceradas é a Seciju. Dois estabelecimentos estão localizados na capital, a Unidade Prisional Feminina de Palmas (regime fechado) e a Unidade Prisional Feminina de Regime Semiaberto de Palmas (URSA). As demais são: Unidade Prisional Feminina de Lajeado, Unidade Prisional Feminina de Pedro Afonso, Unidade Prisional Feminina de Talismã e a Unidade Prisional Feminina de Babaçulândia, todas em regime fechado.

A Seciju age em conformidade com a Política Nacional de Atenção à Mulher Presa e grupos específicos, sendo essa política transversal e intersetorial, executada por meio da Gerência de Assistência Educacional e Saúde ao Preso e Egresso, responsável pela efetivação da política nas unidades prisionais do Estado. A gerência atua para que sejam garantidas ações que favoreçam procedimentos adequados às especificidades das mulheres, no tocante a gênero, idade, etnia, cor/raça, sexualidade, orientação sexual, nacionalidade, escolaridade, maternidade, religiosidade, deficiências física e mental, entre outros aspectos”, destacou o secretário executivo da Seciju.

Segundo a responsável pela Política de Atenção à Mulher Presa e Grupos Específicos, Luciene Reis da Silva, a Seciju, em sua atuação, tem ponderado as necessidades que envolvem a vida das custodiadas, considerando, entre outras questões, a sua condição de total ou parcial vulnerabilidade social. “Hoje, a elas é garantido o acesso à educação (todas as UPF’s têm salas de aulas), à saúde, à assistência material, visita familiar, visita íntima (quando a unidade dispõe de espaço), alimentação, saídas temporárias, conforme previsão legal”, explicou.

De acordo com o superintendente do Sistema Penitenciário e Prisional do Tocantins (Sispen/TO), Orleanes de Sousa Alves, as unidades prisionais femininas serão reestruturadas para atender as especificidades do público feminino.

A Secretaria de Cidadania e Justiça está em processo de planejamento e reestruturação de todas as unidades prisionais, mas, principalmente, das unidades femininas, para que agreguem e atendam a especificidade da mulher em situação de prisão desde a construção dos banheiros e melhorias nas estruturas físicas até a formação de profissionais que atuam em unidades femininas, focando a necessidade de uma prática de atuação intersetorial, transversal e interseccional”, garante.

Reinserção Social

Visando auxiliar no processo de ressocialização, são desenvolvidos diversos projetos nas unidades prisionais femininas do Tocantins, entre eles, cursos, palestras e rodas de conversa. Entre os cursos ofertados em 2019, está o Curso de Costura Criativa, realizado na Unidade Prisional Feminina (UPF) de Pedro Afonso, vinculado ao projeto Arte que faz crescer da Seciju; Curso de maquiagem na UPF de Babaçulândia, Curso de maquiagem na UPF de Lajeado, Curso de Desenvolvimento e Cooperativismo, na UPF de Palmas, ofertados através Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o projeto Coral Canto Livre, desenvolvido na UPF de Palmas através de parceria com a Defensoria Pública.

Além disso, também são realizadas  palestras e rodas de conversa, incentivadas pela Defensoria Pública do Tocantins, entre as temáticas abordadas está saúde da mulher, aleitamento materno e empoderamento feminino, além de serem ofertados momentos de descontração, com a oferta de filmes educativos.

CENSO

Outros dados importantes do Censo mostram que 67% estão privadas de liberdade pelo crime de tráfico de drogas, 14% por homicídio, 7% associação ao tráfico, 7% roubo e 5% furto. Em meio a esses crimes, 78% das mulheres foram sentenciadas a penas que variam de 4 a 16 anos.

Já o perfil étnico mostrou também que 82% são mulheres autodeclaradas pardas ou pretas, 15% são brancas, 2% indígenas e 1% amarelas.

Outro dado importante é que das 74% das mulheres presas que são mães, 89% têm até 4 filhos. O perfil etário dos filhos é de 51% maiores de 12 e 49% menores de 12 anos. E, até o momento da entrevista, os responsáveis pelos filhos das encarceradas são, na maioria, avós, representando 51%, seguidos pelos pais, 20%; parentes, 14%; outros, 14%; há também crianças em abrigos, correspondendo a 1%.

No censo, outros dados chamam atenção, especialmente sobre o recebimento de visita dos familiares no cárcere. Somente 55% das entrevistadas afirmaram receber visitas, sendo 96% dos familiares, geralmente a genitora (avó dos filhos da reeducanda) e dos seus filhos. Apenas 4% recebe a visita de companheiros.

Já quanto à orientação sexual, 85% se autodenominaram heterossexual, enquanto 6% se identificaram como homossexual, 7% bissexual e 2% transexual.

O 1º Censo Carcerário Feminino pode ser conferido abaixo:

Deixe seu comentário:

BRK Campanha: Sites Tocantins 2024 - JANEIROClésioAvecomGPS