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19/07/2020 - 16h27m

CRÔNICA

Por Cláudio Duarte, Crônica: A parede de caramelos

Cláudio Duarte

Ao conhecer a fábula de João e Maria, as crianças sonham encontrar uma casa feita de guloseimas. Em Araguatins, os pequenos quando chegam a nossa casa veem ali a chance de realizar esse sonho.

A cerâmica que reveste a parede da frente tem relevos que parecem caramelos derretidos; e as crianças não resistem em confirmar, passando a língua, se aquela parede é realmente feita de docinhos.

Com os olhos fixos na parede, elas passam as mãozinhas sobre a cerâmica dando uma leve lambidinha no relevo. Outra, e só pra ter certeza, mais outra. - Não é docinho. Elas dizem, dão um sorriso e vão embora.

Na família, tudo começou ainda nos anos 80, com os sobrinhos que já são pais; e logo virou tradição infantil herdada por todos os descendentes.

Assim que aprendem a andar, passam delicadamente as mãozinhas na cerâmica e dão uma lambidinha na parede. E mais uma, só pra ter certeza.

Os vizinhos da direita, Caboquinho e Inocêncio, e da esquerda, Liliu e Tontonho, disputam quem vai achar o docinho primeiro; e lambem, lambem, lambem... mas, a busca pelos caramelos estende-se para além das vizinhanças.

Sucessora da família Fernandes, Talyta, aos seis anos de idade, modifica seu percurso só para passar em frente a nossa casa. A cada dia a menina lambe uma parte da parede na esperança de achar os docinhos.

Ela pede ajuda  ao seu primo Fernandinho, que a princípio resiste; mas ela o convence que sim, aquilo é mesmo caramelo.

- Não, Fernandinho; nós não vamos desistir. Eles estão ressecados por causa do sol, mas assim que chover fica tudo molinho e a gente volta aqui.

E assim que chove, ela vai à casa do primo e, juntos e encharcados, fazem mais uma busca na parede de caramelos. - Não há docinhos. Ele diz.

Ela ainda tenta fazê-lo subir numa escada, sugerindo que embaixo já está gasto, e por isso não tem mais sabor.  - Lá em cima é que estão os bons. Garante.

E  tem ainda o menino triste que a mãe segurou pelo braço e não deixou que tocasse a parede de seus sonhos. - É caramelo! É caramelo! Ele gritava, olhando para trás, enquanto ia sendo arrastado pela rua. 

Agora, já adulto, passa a mão na parede e quer dar uma lambidinha; mas, envergonhado, se vai; mais uma vez frustrado e olhando para trás. Triste a sina desse moço.

Eu gosto dessa parede. Foi a vida toda acarinhada pelos pequeninos. Sem mentir, responde igualitariamente ao sonho das crianças de todas as classes sociais.

São seis e meia da manhã e abro a porta da casa. Um menino descalço, de bermudas e sem camisa está grudado à parede. 

Arregala os olhos e dá um sorriso gigante. - Nem é docinho! Diz ele; e feliz, parte sorrindo. Foi só mais uma criança que lambeu a parede. 

E de tanto vê-las, imaginei que talvez no alto, onde nenhuma delas alcançou ainda, haveria mesmo um caramelo.

Aproximei-me, passei delicadamente a mão na cerâmica e dei uma lambidinha; e depois mais uma. E outra, só pra ter certeza. - Nem é docinho.

Foi só mais uma criança que lambeu a parede.

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