O idoso de 73 anos, morador de Ananás, no Bico do Papagaio, que descobriu mais de 90 empréstimos consignados em seu nome conta que sua renda mal dá para se sustentar durante o mês. Raimundo Nonato Morais tem como fonte de renda uma aposentadoria e uma pensão, de um salário mínimo cada, que recebe do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O dinheiro ainda é descontado por empréstimos ativos.
“É triste, porque às vezes não tem o que comer, o dinheiro que recebo é pouco e tem mês que passo muita necessidade. Às vezes faço um serviço ou outro para comprar algo para comer”, disse o idoso.
Raimundo Nonato descobriu os empréstimos realizados sem autorização em 2023 após procurar o advogado André Francelino de Moura. O profissional encontrou, ao todo, 92 contratos de empréstimos feitos no nome do idoso e explicou que o caso do idoso não está relacionado aos descontos referentes às mensalidades de associações nos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS.
O idoso conta que realmente fez, em 2012, dois empréstimos consignados com instituições bancárias. Mas esses dois contratos acabaram sendo refinanciados sem a autorização dele. Os nomes dos bancos não foram informados.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que, em 2019 foi criada a Autorregulação do Consignado, juntamente com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), e foram registradas 1.465 sanções aplicadas pelos bancos a correspondentes por descumprimento às normas. Também afirmou que irregularidades relacionadas ao que determina a Autorregulação podem gerar multas que variam de R$ 45 mil a R$ 1 milhão (veja nota completa abaixo).
O aposentado relata que os dois empréstimos realmente realizados por ele foram devido a uma pneumonia. Ele afirma que o dinheiro foi para pagar os medicamentos e custos do tratamento.
“Se eu tivesse feito um tanto de empréstimos desses, eu estaria era rico. Lembro que fiz dois, o primeiro foi de R$ 1,2 mil e o outro de R$ 3,4 mil, porque naquela época tive aquela pneumonia. Sem dinheiro, tive que pegar para pagar os remédios e acabou que não deu para todos”.
Raimundo nasceu no estado do Maranhão (MA), mas desde os seis anos ele mora em Ananás. O idoso tem uma filha que mora em outro estado.
“Sempre vivi sozinho, moro aqui [Ananás] desde criança, nunca saí daqui, tive duas filhas, uma foi morar com Deus e a outra não vejo há 14 anos. Hoje tenho até uma companheira, mas é muito difícil, tem mês que esses empréstimos cobram R$100 e R$ 120, aí apertam as coisas e tem todo tipo de banco que cobra e não sei se nem existe [sic]”, contou o aposentado.
Advogado descobriu contratos não autorizados
O advogado André Francelino informou que, após descobrir os 90 contratos de empréstimos no nome de Raimundo, sem autorização do idoso, durante os 11 anos anteriores, entre 2023 e 2025, outros dois entraram para a lista, totalizando 92 contratos não autorizados pela vítima.
Atualmente, Raimundo ainda possui 16 empréstimos não autorizados ativos, sete na aposentadoria e nove, na pensão. São valores entre R$ 12 e R$ 220. Somados, são descontados R$ 452,55 da aposentadoria e R$ 384,95 da pensão, de acordo com o advogado.
Ele explica que, em caso de aposentados e pensionistas, esse tipo de oferta para empréstimo descontado em folha pode acontecer quando correspondentes bancários possuem o acesso aos dados do beneficiário.
“Esse é o segredo. Por que essas parcelas são pequenas? Porque a margem [consignável] que se abre, eles monitoram. E quando o valor fica mais ou menos razoável, na casa de R$ 1 mil, realizam novamente o refinanciamento, seja como fraude ou com dinheiro na conta, para que a parcela seja sempre 30% da margem comprometida”, disse André.
André Franncelino também destaca que a situação de Raimundo é que muitos dos contratos, que deveriam terminar em anos, eram quitados em meses por meio de um ‘refinanciamento’.
“Tem um empréstimo que ele ‘fez’ em 20 de abril de 2021. A previsão era de 84 parcelas, sete anos. Era para terminar esse refinanciamento em 2028. Ele [o contrato] foi quitado no mês de outubro de 2021. E como ele foi quitado em outubro? Com outro empréstimo nas renovações que eles fazem. E isso se repete em outros contratos“, exemplificou o advogado.
Processo sem tramitação
O processo de Raimundo está parado no Tribunal de Justiça do Tocantins desde 2023 por causa de uma decisão chamada ‘Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Estado do Tocantins‘. Por ter entendimentos diferentes em juízes, o TJ paralisou a tramitação de processos de pessoas analfabetas contra instituições bancárias e relacionadas consignados.
Como o processo não está tramitando na justiça, o advogado ainda não conseguiu contabilizar o prejuízo financeiro, pois os bancos processados pelo idoso ainda não apresentaram na defesa a situação dos contratos e se as renegociações realmente caíram na conta dele ou foram desviados para terceiros.
Íntegra da nota da Febraban
Questionada sobre as situações de refinanciamento de consignados de aposentados e pensionistas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que em 2019 foi criada a Autorregulação do Consignado, juntamente com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC). A iniciativa tem o objetivo de coibir o assédio comercial e as fraudes praticadas na oferta de crédito consignado público e privado.
Desde que as regras da Autorregulação entraram em vigor, em 2020, foram registradas 1.465 sanções aplicadas pelos bancos a correspondentes por descumprimento às normas.
Além disso, 113 empresas estão impedidas de atuar, e outras quatro receberam suspensões temporárias e advertências em maio de 2025, por terem cometido irregularidades.
Após reclamações dos consumidores, 280 agentes de crédito também foram pontuados com penalidades relacionadas a infrações cometidas.
A Febraban afirmou ainda que as irregularidades relacionadas ao que determina a Autorregulação podem gerar multas que variam de R$ 45 mil a R$ 1 milhão.
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