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01/09/2020 - 09h39m

CRÔNICA

ARAGUATINS: Uma partida de futebol

Por Cláudio Duarte / Ilustração: Carlessandro Souza

São quase cinco horas da tarde em Araguatins e um clássico juvenil se desenrola no campinho localizado entre a igreja e a Praça da Bandeira: Vasco X Goiás.

O Vasco é um time melhor, e quando termina o primeiro tempo já vence o jogo por sete a zero; e entre os jogadores esmeraldinos o clima não está muito bom.

Da calçada da igreja, a torcida acirra ainda mais os ânimos. Chico, Felim, Davi, Azeitona, Vande e Zé do tio Gregório; e a turma do Café Marivete: Antônio Filho, e meus parentes Cará, Cupu, Zezé, Leninha e Maria Santana.

Vande é quem dá a sugestão: - Coloca o primo Cláudio, que ele é muito bom de bola. Diz ele, enfático. Obviamente, está de sacanagem. 

Ele insiste e diz que eu sou um ótimo jogador, um excelente atacante, um goleador; e que o Goiás deve tirar alguém e me colocar no time se quiser reverter o placar. 

Alheio ao impasse, eu devoro uma manga e observo o discurso de meu primo. Em sua cadeira de macarrão, Maria faz crochê, balança a cabeça e sussurra para Leninha: - Esse aí... Queira Deus!

A torcida grita meu nome. Eu começo a imaginar que talvez eu seja mesmo um bom jogador e nem saiba. Limpo as mãos na bermuda e esfrego a boca lambuzada de manga na manga da camisa.

O dono do Goiás é o Neném do Seledônio e, como eu, ele também duvida de meu talento; mas, pressionado pela goleada e pelos gritos da galera, toma a camisa de um jogador e me contrata.

Eu aceito o desafio. Visto a camisa suada sob aplausos e gritos de incentivos, e deixo as havaianas ao lado do campo. Entro no time, no ataque. A equipe respira confiança com o novo reforço.

“O centroavante, o mais importante.                                                                                                                        Que emocionante, é uma partida de futebol”.

No outro time, Enéas Filho, Amauri, Mundico e Foguete traçam estratégias para o segundo tempo e alertam seu arqueiro; de certo, estão preocupados com o novo atacante. O Oião está no gol.

No primeiro minuto do segundo tempo, alguém chuta a bola que acerta em mim e sobra como uma bela assistência para um dos nossos fazer o primeiro gol do Goiás. É festa na torcida.

O time se empolga e decide que é hora de ir para cima deles; mas nem dá tempo de comemorar e o Vasco faz seu oitavo gol; e quando o jogo recomeça faz outro e mais outro, e depois outro.

Os jogadores do Vasco estão sempre com a bola. Passam com ela por entre minhas pernas, de um lado, do outro, tabelam, fazem gols e vibram. Nosso goleiro, desesperado, nada pode fazer.

Lerdo, eu não volto a tocar a bola. Meu contato com a pelota é somente visual. Corro bastante atrás dela, mas quando eu vou me aproximar ela foge de mim. O importante é que estou no jogo.

E assim, a partida prossegue e, por obra divina, termina só 14 a 1.

Enquanto as pessoas riem e discutem as jogadas, acho o resultado bastante positivo. O primeiro tempo foi sete a zero e o segundo tempo, que participei, foi sete a um. Saldo de um gol.

Muito feliz, eu esqueci as sandálias no campo; mas, acredito ter feito a diferença na partida. E depois daquele jogo tomei gosto e participei de muitas outras decisões.

“Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”

Uma vez fomos jogar no Porto da Balsa, no Pará. Era uma manhã de domingo e fomos de barco com o mestre Enéas. Após o jogo, por volta do meio-dia, retornamos a pé; andamos por mais de 10 km, com fome, embaixo de um sol escaldante; mas, satisfeitos. É sina de jogador.

Eu era um péssimo atleta; mofino e delicado, não sabia guizar e nem jogar na bruta. 

Nos campinhos, na hora de escolher os jogadores para os times eu era sempre o último ou o penúltimo, quando dava a sorte de ter alguém pior que eu; algo muito raro de acontecer.

Porém, se faltasse um jogador e não houvesse mais ninguém que quisesse brincar, eu era imediatamente selecionado e convocado. E eu ia, me achando! 

O professor Adelmar Borges, nas aulas de Educação Física, me chamava de Pontaria; porque eu ficava mirando a direção que a bola deveria tomar. E nunca dava certo.

Eu só jogava por ser gente boa e gostava mesmo era quando chovia durante a pelada e eu ficava todo enlameado; emporcalhado, como dizia mamãe. 

Às vezes, a disputa envolvia dinheiro e cada jogador tinha que dar uma contribuição e eu, como podia colaborar, tinha uma vaga; mas logo que a partida começava eles me substituíam. 

- É do jogo. Diziam.

Apesar de tudo, só percebi minha irrelevância para esse esporte quando certa vez completaram os times e eu sobrei; aí alguém da outra equipe disse: 

- Podem jogar com doze mesmo, o Cláudio não faz diferença.

Eu entendi a indireta. Abandonei a carreira de jogador de futebol e resolvi focar nos livros e em meu desejo de ser astronauta; um sonho ainda possível para quem vive no mundo da lua.

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1 Comentário(s)

  • Eneas Ferreira Pimentel | 01/09/2020 | 16:41 Claudio, conheço a personagem, achei sua narrativa ótima, ainda não conheço nenhuma obra sua. Só conheço obras do Chico...ainda dá tempo de se tornar um astronauta!
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